terça-feira, 19 de outubro de 2010





Meu, nem tanto assim, querido diário. O dia hoje não fugiu ao normal. Monótono e previsível. As mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas, nas mesmas situações, cometendo os mesmos erros; na da fora da configuração humana. Aliás, por que será que nós humanos somos tão previsíveis? Acho que não saberás a resposta, é claro, até porque suas páginas são quase que humanos: algumas totalmente em branco e outras uma vez escritas serão sempre as mesmas, constantes. Mas isso não importa tanto assim, importante mesmo foi o fato de a comida do refeitório estar maravilhosa. Veja querido diário como me faço redundante, como essa displicência me torna humano Torna-me mecânico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Aos meus preconceituosos cegos!


Amigo diário, perguntaram-me hoje se eu era preconceituoso. Disse que não é claro, na minha posição, é quase que absurdo mostrar-me dotado desse ponto de vista. Não quis fazer-me arcaico, mas naturalmente me aflige esta moléstia que não faz vista grossa a ninguém. Gostaria de saber de onde advém esse princípio humano, que significa conceito pré-estabelecido já é sabido, mas onde nasce essa mania de separar, rotular pessoas? Boas, más, brancas, negras, gays, heterossexuais, altas, polacas, “negrinhas” são tantas as etiquetas que nem me convém prosseguir enumerando-as. Parece que dispomos as pessoas em enormes corredores de prateleiras como em um supermercado qualquer, todas lá, paradas, rotuladas enquanto passamos a escolhê-las pela embalagem e as tomamos quando as julgamos convenientes às nossas vidinhas medíocres. O inconveniente é que também acabamos por ser rotulados. Acho que isso faz parte do nosso lado animal, com peixes em um aquário rejeitando seus diferentes. Justo nós, que não nos subjugamos tão facilmente a essa inaceitável condição animalesca. Peco ainda, displicente diário, por não dizer-me preconceituoso, visto que me visto de mais um preconceito: o de ser preconceituoso. Porque, de fato, somos preconceituosos até ao escolher ovos para um mexido: queremos os ovos mais vistosos, grandes e limpos, na confiança de não estarem podres. O fato é, querido diário, que há vários ovos podres por aí e que só os percebemos ao nos depararmos com as mãos imundas e fétidas. Penso que já será tarde de mais.

domingo, 17 de outubro de 2010

Participação especial: Claison Melo (http://claisonmelo.blogspot.com/)

O risco.

Minha irmã estava intrigada, esfregando as mãos uma à outra, falante, andante de um lado para o outro, toda maquilada, preparada para algo. Eu estava despojado, numa das minhas horas de gozo, a ler. Impacientei-me:

― Mas que quê é isso? Tu não paras!

― É que hoje eu vou sair.

Quantas vezes ela já não havia saído? Quantas vezes ela não viria a sair? Havia algo diferente.

― E por causa disso tu tá assim?

― Você não tá me entendendo!

Eu não estava mesmo. Como alguém ficaria tão incontrolada por apenas sair. A não ser…

― Você está namorando? ― perguntei contundente.

― Claro que não! Solteiríssima.

Suspirei aliviado. Tenho dores quando minhas irmãs namoram. Fico a pensar: e se o cafajeste maltratá-las? magoá-las? fazê-las sofrer muito? Daí tudo se apaga, é que é assim o caminho de quem se arrisca a relacionar-se.

― É que hoje eu irei conhecer alguém! Daí eu fico pensando: será que ele vai ser legal comigo? será que vai ser bom de papo? E será que é bonito? muito bonito? excessivamente belo, daqueles que parecem galãs de novela? Será que ele abre a porta para eu entrar ao carro? será que ele tem pensamentos não machistas? será que ele é capaz de refletir quem eu sou? tudo isso num só encontro? será que virá até a mim sem nenhuma daquelas cantadas medíocres? será que me perceberá despida para ele apenas com o meu olhar sobressaltado?

― Irmã! Acorda! Esse tipo de homem não existe!

― Talvez exista! Você conhece todos os homens do mundo?

Realmente não. Parei. Fiquei calado. Mas percebi ali que ela era muito iludida. Iludida até demais.

― Continue assim, acreditando demais nas pessoas.

― E se eu não acreditar nelas? Para que sou humana então?

O celular dela tocou, atendeu e ficou nervosa, dizendo à outra pessoa que já ia. Veio até mim, deu-me um beijo à testa e me pediu para desejar-lhe sorte, com aquele olhar de misericórdia, como se minhas palavras fossem mágicas e lhe garantissem fortuna. Fiz cara de desdém, como se aquilo muito me custasse:

― Agora eu sei porque você me disse aquilo. Você é assim, né? Medíocre, sem educação.

― Nada! Sou espontâneo. Como o cara que você encontrará hoje na festa.

E ela se foi, puxando o portão, enquanto eu dizia para o ar, do fundo de minha alma, que ela tivesse toda a sorte do mundo, que eu estivesse errado, e que ela encontrasse aquele que não fosse a maioria, o desnecessário, o malfeitor de sua vida.

(Melo, Claison. De Mamando a Caducando. 2010)

Olá― até então ―, desconhecido diário. Rabisco-te as primeiras linhas das primeiras páginas apesar de ainda não apresentar nenhum propósito. Pensei em grafar-te primeiramente meus traços pessoais, íntimos. Entretanto tornar-me-ia egocêntrico, porém pessoas e certamente diários não gostam de pessoas egocêntricas. Aliás, por que nos empenhamos tanto em agradar os demais? Acho que estamos fadados a comportarmo-nos como palhaços em um picadeiro, ávidos de aplausos, sem ao menos estratificar as palhaçadas plausíveis das descabidas ou até degradantes. Pensei também em confidenciar-lhe angustias e sofrimentos, me fazendo redundante quanto ao egocentrismo. Com tantas desgraças (não menos importantes e não mais fúteis) soltas e serelepes por esse mundo, o que me faria imaginar que você, diário, em sua inabalável frieza inanimada se voltaria com ao menos curiosidade aos meus devaneios sentimentais. Por último cogitei avacalhar a sórdida posição humana em seus mais corriqueiros aspectos. Todavia, o egocentrismo me atou as mãos, como apedrejar a humanidade sem me por a mostra. Como abrir as feridas humanas sem expor as minhas público , sem me fazer humano. Por isso, amicíssimo diário, posso apenas concluir que escrevo em círculos. Escrevo girando em torno de mim mesmo, do meu ego. E digo mais: em ti diário, me volto a apedrejar a humanidade de dentro pra fora, como se portador de uma lupa. A melhor lupa até aqui inventada: a autoconsciência de uma existência acidentada, porque, para atirar carvões em um varal cheio de roupas brancas, primeiramente tenho de me sujar as mãos.