terça-feira, 23 de outubro de 2012


Acaba que os velórios acabam por ser o passo essencial para a superação do luto. O marco inicial do luto e da própria superação deste. Todos precisamos dos nossos cadáveres para que sejam enterrados, as lágrimas, o sofrimento, o apoio dos que nos cercam acabam por criar o plano de fundo substancial para a integralidade do luto. Precisamos ver nossos mortos realmente mortos, frios, encobertos pelos planos egoístas que acabamos por criar sob o solo incerto das nossas expectativas, simplesmente ignorando até a morte do outro.
Não me refiro ao significado banal que alguém resolveu dar a morte e registrar em algum dicionário, me volto a todo tipo de morte, a todo significado que acabamos por associar a morte. Precisamos do som abafado da terra batendo a tampa do caixão, precisamos da confirmação, de que nenhum som de vida ecoa por dentro das paredes de madeira, apenas o som da pá do coveiro ficando a terra. É necessária a certeza de que lá estão,  afinal torna-se doloroso demais levar flores a túmulos com caixões vazios, e a certeza da sentença final acaba que, ainda que tardiamente, nos force a  deixar de idolatrar a dor encoberta por afrescos. Afinal, se ali não estão resta apenas a esperança de que quando a campainha soar não será apenas o entregador de cartas, ainda que tenhamos a certeza de que sempre o será. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


E acho que se pode considerar o estado de "felicidade" como um estado transitório magnífico.Talvez estar feliz (sim, estar feliz, porque o verbo correto acaba por facilitar bastante esse paradigma do "ser" feliz) acabe por se resumir em uma simples equação. Um equilibrio que se consegue ao final do dia ao colocar a cabeça no travesseiro e começar a somar e subtrair, simples como o que quando criança nos desafiavam a fazer, soma-se o que se teve de bom, soma-se o que não foi tão bom assim, e subtrai-se uma coisa da outra... simples e complexo quando tinhamos sete anos. Entretanto a dificuldade que se tem hoje está em estabelecer os termos,discernir o que foi bom do que nem foi tão assim. Não me atrevo a dizer o que foi ruim, porque me falharia a maturidade ao não perceber que nada é de todo ruim, o máximo que se pode acontecer seja um equívoco durante a interpretação. muitas vezes acabamos por nos poluir com todos os artificios que naturalmente acabamos criando em função do drama próprio, porque simplesmente radicalizamos de tal forma que o que acabou por nao seguir a cadencia linear desejada se torna algo ruim, e na maioria dos casos, algo bom permeia, basta um olhar um tanto otimista e não menos poético. Ao final de tanta matemática, como todo cálculo, obtém-se um saldo que segue a eterna dicotomia do positivo e do negativo. Se o primeiro, ótimo, considere-se praticando o verbo correto, estar feliz. Se negativo, simplesmente lembre-se de que logo um novo dia começa e outros algarimos se acumularão, e não veja nisso apenas como um clichê de tantos livros de auto-ajuda, veja como a possiblidade de multiplicar o saldo negativo por zero,afinal, é isso o que o dia depois de hoje acaba por ser, uma multiplicação que zera tudo, e o zero é o resultado que insiste que se pode subir ou descer, e que isso depende apenas dos próximos esforços.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Sobre o luto


              Foi então que, com o ar e a elegância de um guerreiro que cai aos pés do inimigo, ele vestira o luto que por tanto havia adiado. É humanamente trabalhoso o confronto que se trava com a morte, aliás, é quase que um espetáculo dramático esse tão peculiar equilíbrio que chamamos de vida, e que por muitas vezes o tratamos tão somente como um equilíbrio, uma equação que precisa ser balanceada a nosso favor, e tão somente a ele. Esquecemos os pormenores que podem caber e acabar por completar os espaços entre esse começo tão glorificado e esse fim tão abominado pela maioria.
Desde  muito tempo ele achava que a morte acabava por ser um espetáculo de egos, um ritual de auto-consolação, via no funeral o maior de todos os dramas que pode gerar o egoísmo. Já quando pequeno, segurado pela mão da mãe ao pé do caixão de sua avó, questionara “por que todos choram mamãe?”, e com um sibilo tão bem ensaiado quanto o lenço que levou ao nariz, a progenitora explicou “ pois vovó partira”.
              Não foi ali, ou no dia seguinte, ou no mês seguinte (mas não importa o tempo que se leva, mas o resultado que se tem) anos mais tarde ruminando memórias que percebeu um detalhe  já  tão intrínseco que passa por despercebido aos olhos, tão falhos que sabe-se lá por que Deus, ou explosão cósmica, ou qualquer força que trate a metáfora, foram feitos tão falhos ao não poder olhar para o lado de dentro. Percebera um dia que o sofrimento se  dá não por quem morre, mas pelos que não acabaram por ter o mesmo destino, sofre-se pelo egoísmo instintivo, sente-se não a perda sentimental, mas sim a perda que diz respeito a posse.
                Enfim, ele acabou por chegar nesse ponto de confronto com a perda, do desfalque pessoal, e por isso achava que sofria. Metodicamente, como costumava ser, tratou de passar por todos os estágios da aceitação que algum dia lera em algum panfleto em uma sala de espera. Negação, ira, barganha, depressão, aceitação. Tão suave ao ponto de surpreender-se com a naturalidade que fluía de um estágio ao outro, sem trancos, sem maiores dramas, acho porque acha-se que a morte pode acabar por ser o maior deles, ou pelos mais otimistas, o fim deles.
              Levantou-se da cama, lavou-se, e partiu para a cerimonia fúnebre que esperava  de longe ser a mais dolorosa que presenciaria, aprontou-se como sugere o protocolo e estacou-se frente ao espelho, começara o velório. Como diz a tradição, velou o morto em cada segundo, cada detalhe, sofreu cada suspiro em que caberia sofrimento. Manteve-se a vestir o próprio luto, a velar o próprio eu, ou o que um dia acabou por ser. Ele tinha em algum canto cinza da consciência a certeza que sabia não ser equivocada, de que morrera, e tinha razão, a morte vem em diferentes alegorias, em diferentes embalagens e ele aceitara aquela que julgara mais sutil. E tinha razão quanto a sutileza dos fatos, a mudança acaba por ser uma morte velada, silenciosa, um acordo suave entre o que se é e o que virá a ser.
          Olhava para si próprio e via que o que lhe era cotidiano já não vivia ali, aquele olhar não era o mesmo, o sorriso não menos, até os cabelos obedeciam à outra harmonia. Definitivamente o que morava ali descansava, se em paz ainda não sabia, mas que já fora substituído era fato, se melhor ou pior, teria de aproveitar o tempo entre esse sutil nascimento que se dera em seu interior e a morte futura que o aguardava para descobrir, afinal a morte assim como a vida acaba por obedecer a um ciclo, onde  o começo de uma é o fim de outra e vice versa. Olhou novamente no espelho, apertou a gravata e saiu pela porta, sabia que tinha pouco tempo para dar as boas vindas a esse novo estranho.

sábado, 18 de agosto de 2012

Do medo.

E foi na certeza de que eu sempre sobreviveria que insistentemente continuei fazendo as coisas da forma mais errada possível. E na realidade eu realmente sobrevivia, sempre encontrava uma forma de me levantar e continuar a caminhada, melhor recomeçar essa eterna caminhada circular. Contudo o que eu não sabia, e deveras demorei a perceber, era que eu sobrevivia, entretanto sobrevivia em partes. Funciona mais ou menos como uma corrida em um campo de cercas de arrame farpado, sobrevive-se bem, entretanto a barganha que se estabelece pode ser um pouco dolorosa, deixa-se fiapos pelo caminho e leva-se marcas pelo corpo. E foi em um dado momento em que de repente me vi marcado de mais e desfalcado de mais do que um dia foi meu, ou do que um dia fui realmente, encontrei no medo uma chance de proteger o que ainda restava de um edificio ja depredado. Nao digo o medo de me arriscar, o medo de tentar, esse medo que se tornou tao inflexivel no vocabulario humano, digo o medo de acabar por nao sobreviver, um medo que me impunha a condiçao de fazer as coisas da melhor forma possivel, um medo que por hora tem me feito escolher o melhor caminho possivel, porque ele frequentemente me sussura: "não, você não é imortal, e as coisas podem acabar por nao terminarem da forma que voce pretende, e segundas chances não sao tão baratas quanto se pensa."

domingo, 22 de julho de 2012

.


E quando por um acaso você resolver passar uma hora a mais na cama, de frente a tv, uma hora a mais odiando alguém, uma hora a mais amando o dinheiro mais que a voce mesmo, lembre-se que em uma hora se tem 60 minutos, e em um minuto seu coração bate em média 75 vezes, ou seja, você apenas está perdendo 4500 batimentos cardíacos com uma coisa que realmente não tem importância, e olhando mais de perto e com mais carinho e poesia, perde-se 4500 chances que o universo te dá para tentar fazer tudo novamente, e o mais parecido com o que deveria ter sido da primeira vez. Assim, você acaba percebendo que esta perdendo bem mais que uma simples hora. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Aos incansáveis atores


Acontece meio que assim: conhecemos alguém, a partir daí começamos a nos modelar de forma que passamos a nos parecer o mais fiel possível com aquilo que achamos que ela gostaria que nos parecemos. Criamos uma projeção que pensamos se encaixar o mais adequadamente possível às ambições alheias, e acho que em meio a tantas e diferentes projeções, chegamos a um ponto em que a bagunça é tanta que já não temos o discernimento de quem realmente somos, ou melhor, de quem um dia fomos, antes de tantos papéis e tantos cenários que criamos. É ai onde tudo começa se fragmentar, porque querendo ou não, um dia queremos algo além de um espetáculo, queremos simplesmente que as cortinas não se fechem, e que o ator em si se torne o protagonista, queremos o papel principal, entretanto os personagens ainda falam mais alto, entornamos lágrimas que não são nossas, entoamos cantos que não nos fazem o menor sentido, sorrimos sorrisos amarelos e gelados, tudo perfeitamente ensaiado, ensaiado para acabar ao final do último aplauso. O último aplauso, as cortinas se fecham, as luzes se apagam, máscaras são tiradas, ninguém vê nada, ninguém sente nada, enquanto se tira a maquiagem uma lagrima escapa, mas é apenas o pó nos olhos, afinal não há tempo, outro espetáculo logo tem de começar. 

terça-feira, 10 de julho de 2012


Preocupados demais em encontrar um cara novo ou  em encontrar o cara certo, acabamos por nos esquecer  de nos certificar de que se tentarmos ser um cara novo, ou o cara certo as coisas possam se ajeitar de uma forma menos hostil. Quem sabe eles estão em algum lugar lá dentro de nós ansiosos por serem achados, ou ao menos deveriam estar.
Se você segue a receita e no final ainda dá tudo errado, a receita está errada
‎" E me perdoem os que um dia julguei, só tentei me certificar de que também fariam errado assim como o fiz e quem sabe aliviar o peso da decepção."

A essência de ser fagulha


E talvez seja nisso em que eu me assemelhe mais á uma fagulha. Disfarçadamente venho tamborilando pelo vento e me instalo. Ali faço meu ninho, em meio às folhas mortas, em meio ao cerrado castigado pela seca, timidamente vou me alojando. E como uma fagulha ao menor sopro de vento me mostro, desdobro-me no que parece ser minha verdadeira essência. Em um verdadeiro espetáculo de luzes me mostro voraz, incandescente, intenso, ardente. Uma presença que pode se jurar eterna. E aos poucos vou consumindo o que toco, tragando junto comigo tudo aquilo o que me cerca, aquecendo e iluminando a noite fria. E também como as chamas, ao menor sinal de que já devorei tudo o que tinha para devorar, depois de tocar o que se fez atingível me desfaço em sorrateira fumaça, e em outras tantas fagulhas para mais uma vez fazer cinzas dos campos que ingenuamente me acolherem.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Lição de matemática


Sim, eu acho que posso me arriscar a dizer que vai um pouco além, do já tão complexo, teorema amar e ser amado. Obstinados nessa dicotomia básica em nossa procura por aquilo que seja o mais parecido com nossas projeções do que é o amor, esquecemos de que a essa operação somam-se, multiplicam-se, dividem-se outras tantas operações. Esquece-se de subtrair as discordâncias e de elevar a altos expoentes de compreensão. Pior ainda, deixa passar por despercebido um equilíbrio básico entre egos, estabelecer um percentual exato de onde o meu eu termina e onde o outro começa, evitando um duelo que quase sempre é fatal para ambos, porque nada mais ameaçador que algo que por vias venha a aranhar nossos tão lustrosos e perfeitos egos. Por fim acabamos por perceber que somos péssimos com números e nos aventuramos com as palavras que parecem mais dóceis. Eu te amo. Simples e objetivo. Eu te amo. Quer dizer exatamente o que diz. Eu te amo. Entretanto, pode não dizer mais nada. 

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Olhando melhor para a própria geladeira.


E os dias vão se arrastando, e sem perceber você se acostuma a errar. Exatamente, com a insistente e progressiva rotina que se torna o erro, um dia você acorda e percebe que ele já é algo tão corriqueiro quanto pedir torradas e café com leite no café da manhã ou pedir mais cebolas no filé. Decisões erradas, pessoas erradas, a roupa errada, o nome errado pro seu cachorro, a cor de cabelo errada, os amigos errados, o perfume errado, o dia errado pra tomar aquele porre. E você aprende a se perdoar por isso. Entretanto em meio a tantos passos em falso, um dia você pisa em solo firme e mesmo assim salta esperando que ele se desfaça. Em meio a tantos erros, você se depara com um acerto, entretanto acaba por não o ver, e como é de se esperar persiste no erro, e talvez esse seja o pior deles, persistir no erro. Acho talvez que seja esse o motivo de tanta procura que nos leva a colecionar tantos equívocos, dormimos e acordamos com nossos objetivos já alcançados e simplesmente não percebemos. Acho que é algo inerente a eterna caçada humana, procuramos as coisas erradas em lugares errados, e isso vai de procurar nos outros as coisas que devíamos encontrar em nós mesmos até erros um pouco mais subliminares como desejar aquilo que sem perceber já possuímos. Então quem sabe se algum dia dermos mais atenção ao nosso próprio guarda-roupas, com um pouco mais de carinho e não menos boa vontade encontramos aquela camisa certa, pro momento certo, no lugar certo com as pessoas certas. Afinal, o segredo de ser feliz está em fazer um banquete com o que se tem na geladeira, e a geladeira pode vir a nos surpreender.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

.

Não, definitivamente não concordo com essa história de metade da laranja, da maçã, ou de qualquer outro fruto que se refira à metáfora. Não me prendo é essa utopia de alma gêmea que me completa, que te completa, que acaba por completar todo mundo. Definitivamente não estou à procura de metades, nunca fui uma, logo não nos encaixaríamos tão bem, afinal metades são um “quase” de alguma coisa, uma parte do que poderia ser um todo e acabou por não ser. Orgulho-me, ou talvez não devesse tanto assim, de não me contentar com o que não é completo, é algo sem sentido como tomar metade de um livro para ler, você acaba se privando ou do inicio, do fim, ou de alguma parte, que como todas as outras partes, são extremamente importantes. Não perco tempo colecionando e revirando fragmentos, acaba por ser uma missão extremamente egoísta: olha-se uma brecha e tenta-se corrigi-la com o pedaço que se adéqüe com maior exatidão. Esse serve, esse não, esse talvez, esse nem tanto, esse com mais um pouco serve... e você se ocupa demais selecionando qual projeção se encaixa melhor. Então acho que o que se deve fazer, é esperar que não haja fendas, que as brechas fechem por si só, e que aquilo que te encontrar pelo caminho, não te complete, te acrescente, porque remendos podem vir a cair com o menor balanço de vento, e não queremos isso.

sexta-feira, 25 de maio de 2012



“Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...” e mesmo que os anos não cheguem a ser tantos assim e que raras também sejam as felicidades, mas que sejam simplesmente intensos, nem bons nem ruins, mas simplesmente como tenham que ser. Que os dias que ainda virão consigam ser muito mais do que se esperou que fossem os dias que acabaram por serem os melhores dias das nossas vidas.  E nesse outro e insistente aniversário acho que tenho pouco a pedir, pede-se pouco talvez quando se tenha muito. Mais amigos? Não creio, apenas que os raros e verdadeiros se tornem eternos e que os que tenham que partir simplesmente ruflem asas com a certeza de que consigo levam bem mais que um pedaço que não pertence a eles. Mais amores? Nem mais, nem menos, apenas os que conseguirem de fato fazer com que você queira que haja tempo o suficiente quando o realmente não há. Mais dinheiro? Talvez, mas lembrando que a falta dele te faz rir na cara da vida e provar que as vezes vale bem mais a criatividade. Mais sorrisos? Isso sim, mas que sejam intercalados por lágrimas, porque eles são muito mais lindos quando úmidos, e mais valorosos quando arrancados do meio da ferida. Menos inimigos? Certamente que não, eles são a prova prática de tudo o que se aprendeu com os conselhos que ganhou ao longo dos longos dias. Menos erros? Que sejam vários ainda, porém não os mesmos, afinal de contas sem eles você nunca aprenderá o que não fazer e errar novamente é sinal de que nada adiantou. Menos dificuldades? Que elas consigam ser cada vez mais numerosas e realmente difíceis, porque elas simplesmente ficam muito bem na parede de troféus, e as derrotas sempre nos ensinam da forma mais dura que poderíamos ter feito melhor. Mais tempo? E por fim acho que apenas devo agradecer a todos os minutos que ficaram para trás, melhor, que vieram comigo até aqui, porque a única coisa que se tem na vida são os minutos que se teve, porque os que ainda não se viveu não são necessariamente nossos, e pode ser que nunca sejam.

quarta-feira, 23 de maio de 2012



E aquele eu que eu gostava tanto, onde será que se escondeu? Em que gaveta do meu armário será que eu o esqueci. Será que ele simplesmente não era rápido o suficiente pra me acompanhar em minha corrida para sentir-me vivo? Talvez não tivesse os joelhos fortes o suficiente pra agüentar os tropeções e as baladas eternas. O fato é que devo confessar que a companhia dele me faz falta, com todos seus preconceitos e seus pontos de vista arcaicos, sinto falta dos puxões de orelha que por hora ele resolvia me dar. Antiquado, retrogrado, careta, sim esse meu eu era tudo isso, mas com certeza ele saberia lidar com tudo isso que não consigo hoje em dia, melhor, lidaria com tudo isso e ainda se sairia muito bem. Ele sim ficava bem nas minhas roupas, ele sim fazia bem para os meus amigos, ele sim sabia o quão de sal faltava na comida, era responsável o suficiente para discernir ate aonde ir ou não e até se parecia melhor no espelho. Talvez meu eu melhor que eu não tivesse feito metade das coisas que fiz, não teria cometido metade dos erros que por acaso resolvi colecionar, tudo bem que não teríamos aprendido muita coisa, mas certamente estaríamos bem melhor do que estou hoje, sozinho. Com essa parte de mim que insiste em ser auto-destrutiva, essa parte que se porta como uma criança montando castelos de carta: trabalha-se no edifício e com o, pode-se ate dizer sádico, prazer de um assopro leva tudo ao chão. E depois disso começar tudo novamente, carta por carta, andar por andar, assopro por assopro, insistentemente. Como um relógio, girando em torno do próprio eixo, voltando sempre ao inicio. Aquele eu não permitiria isso, se levantaria e iria tirar o pó dos móveis, colocaria ordem no quarto, cuidaria dos jardins, combateria as pragas, algo certamente mais metafórico e útil. Mas ele se foi, como um grande amigo que se vai, resta apenas lembrar-se dos conselhos que um dia me deu, e tentar pensar como ele pensaria, e tentar ser ao menos parecido com o que foi, porque ser o que se foi não é uma questão de conforto, e sim uma questão de aceitar que se evoluiu para algo pior, afinal, nem toda evolução leva a elevação. 

terça-feira, 22 de maio de 2012


Acaba que é difícil até mesmo mandar os próprios fantasmas embora, afinal, são nossos demônios particulares que ficam para nos fazer companhia quando todos se vão. Nossos medos, nossas fraquezas, nossos defeitos, nossos erros acabam por se tornar nossos fiéis e inseparáveis acompanhantes. Acho até que eles têm coisas incríveis para nos contar a respeito de nós mesmos. Então se assentem, fiquem a vontade enquanto preparo uma xícara de café, temos muito o que conversar.

Lembro-me de um até mais que sábio conselho de uma professora: “ser adulto é aprender a administrar o prejuízo”. Acredito que seja essa a síntese mais que bem feita e não menos completa do sentido de ser adulto. Entretanto com esses, mesmo que poucos, dias de “adulto”, acho que junto a administrar o prejuízo soma-se uma gama de outras nem tão pequenas e simples coisas. Sim, vai um pouco além. Saber balancear o peso que se carrega, afinal nem todo fardo, mesmo que necessário, é útil. Escolher o que fica e o que vai, ou ainda quem fica e quem vai, é uma questão simples como organizar uma gaveta, que a tempos não se abre, abre-se e se depara com um monte de coisas guardas, não raro um tanto desorganizadas. É simples. Isso se guarda. Isso se joga fora. Isso se guarda. Isso se joga fora. Isso se joga fora. Isso se joga fora. Isso se joga fora. Isso se guarda. Isso se guarda... e orgulhosos de nós mesmos e de nossa incrível capacidade de discernimento olhamos para uma pilha de coisas inúteis. Fácil agora, basta jogar tudo no lixo. Errado, está ai a parte complicada. Como jogar fora amigos antigos? Eles nos fazem lembrar que em alguma parte fomos bons o suficiente para um dia os ter feito. Os dias ruins? Como descartá-los se eles são a prova viva de que vivemos dias bem melhores. As derrotas? Elas servem como manual de como encarar os novos desafios, sussurrando aos nossos ouvidos que podemos estar cometendo os mesmos velhos erros. Os amores mal resolvidos? Eles são como post its que nos fazem lembrar que um dia fomos capazes de sentir algo que ia além de nossas obstinações particulares. Nossos defeitos? Esses sim são os mais difíceis de nos livrar, eles são capazes de falar sobre nós mesmos muito mais que imaginamos, afinal somos os nossos defeitos e o que fazemos para corrigi-los, quando fazemos algo é claro. E ao final desse apanhado de reconsiderações somos obrigados a digerir uma realidade, ainda que indesejada, somos incapazes de abandonar coisas pelo caminho, por mais que elas atrasem nossos passos, por mais que emperrem nossas ambições. Infelizmente, ou até felizmente, funciona meio assim, sabemos bem o que nos atrapalha, mas somos incapazes de ser displicentes o suficiente para que não nos pese. Creio que reciclar tudo isso seja a melhor forma de tê-los por perto, converter todo o possível a nosso favor, como uma pá de esterco em um canteiro de margaridas, fétido, mas necessário. Quanto a parte do “administrar o prejuízo” acredito que seja difícil demais, ser adulto é difícil demais, fecha-se então as gavetas ainda com o que se tinha antes, pesadas e cheias demais, mas o melhor é fechá-las e espera-se que fique tudo bem. Mas não, não ficará. Um dia você vai dormir criança e acordará adulto e suas gavetas estão entupidas demais para que se guarde outras tantas coisas necessárias, e isso nos faz adultos cheios demais, e vazios. Cheios demais para aceitarmos o prejuízo.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sim, eu grito. Grito que prefiro o que me faz louco, o que me faz humano. Inconseqüência? Talvez, mas me brilha os olhos tudo aquilo que se move, tudo aquilo se entorna em vida, porque o simples e mero estado de existência ainda não me é suficiente, não me agraciaram com a vocação de espectador, eu quero o palco, eu quero a cena, eu quero o papel principal. Creio que o começo da morte se da quando nos tornamos figurantes de nossas próprias histórias.
Malas cheias. Coração vazio, leve o suficiente para um novo ruflar de asas. Os olhos invadidos por aquela esperança de que coisas muito melhores estão por vir, típico de quem se joga mais uma vez ao vento, sabendo ou não o destino. Levo apenas o eco das gargalhadas bem dadas com amigos bem feitos, os sorrisos leves arrancados por alguns conselhos bobos, seguindo com a pele riscada por emoções ou mal interpretadas ou deveras rasgadas, porque na vida o bom é o rasgado, é o estúpido, o escancarado porque deixa marcas para se exibir nas novas viagens, e marcas são provas de que realmente aconteceu. E como aconteceu. Enfim se arriscar novamente em um novo vôo, com novas companhias, alguns poucos a mais, alguns muitos a menos afinal o tempo te obriga a aprender a arte da barganha, o sacrifício da renovação, porque um dia a gente se cansa de ler aquela mesma historia que começa sempre com o mesmo “Era uma vez...” e resolve trocar o “feliz para sempre” pelo “feliz por agora” e se pega muito mais feliz assim. Os que te amam em reciprocidade? Eles estarão ainda com você, na piada mal contada, no riso abafado, no trago do cigarro, na poesia declamada durante a madrugada, na afinidade que se descobriu do nada, e não te preocupes, eles não te pesarão as asas, te fortalecerão o animo para que voltes a voar por aqueles ares. Não importa para onde, voe, mude, viva, uma hora você talvez perceba que mesmo tendo todo o tempo do mundo ainda não será suficiente.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Entao é assim, sem vilões, sem vítimas, com ou sem finais felizes! Histórias do mundo real, histórias de gente quase grande!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

E aos poucos os brinquedos perdiam as cores, as flores já não tinham nem de longe a mesma aparência. Algumas músicas já não me cortavam a pele em um arrepio. Sorrisos já não me impressionavam, coisas já não me interessavam, algumas pessoas menos ainda que os sorrisos e as coisas. E como um raio me atingindo percebi que não encontrava a resposta para esse dilema, simplesmente porque insistia na pergunta errada, afinal não eram as coisas quem mudavam de fato, quem já não se sentia o mesmo era eu, e de definitivamente não o era. Percebi-me dentro de casa a olhar para os lençóis brancos estendidos nos quintais dos visinhos, mas olhando através das minhas vidraças, se os lençóis estavam bem limpos ou claramente porcos não importava, porque lhes eram antecipadamente e até cruelmente impostas a sujeira, as marcas, o pó que se assentava em minhas janelas sujas, e essas sim o estavam, e insistiam em falsamente igualar os lençóis. Bastava que eu me levantasse e as limpasse, mas mesmo com a consciência de minha displicência, o que fiz foi acomodar-me ainda mais em minha cadeira e continuar a assistir os “sujos” lençóis, afinal, o que os vizinhos falariam ao me ver reconhecer e corrigir em público minhas tão sujas janelas, definitivamente não as limparia. Mais cômodo manter minha, mesmo que suja, honra, e afinal, lençóis são apenas lençóis, se alvos de limpeza ou encardidos de mau zelo serão sempre lençóis, e confesso que os últimos são ainda mais alvos de atenção, ainda mais se alheios. Por isso preferi deixar que minhas vidraças se amarelassem por completo, para tardiamente perceber que junto com a brancura dos lençóis perdia também a dos sorrisos que passavam pela rua, as cores das flores e dos brinquedos, e infelizmente sorrisos não são apenas sorrisos, flores não são apenas flores e brinquedos não são apenas brinquedos. Vendo isso vi em olhar para dentro de casa como uma forma de disfarçar o tédio, e definitivamente não gostei de me deparar comigo mesmo sentado em uma poltrona dentro de uma casa vazia, vazia e não menos suja que as janelas.