segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Filosofia das bicicletas


Diário. Hoje me surpreendi com uma coisa que creio passar por total despercebido aos humanos: as bicicletas. Andando por uma rua qualquer do centro da cidade, notei uns garotos que deslizavam furtivamente por entre os carros sobre suas bicicletas, e assim o fizeram ate que chegaram a um outro lugar em que estavam outros muitos garotos e suas bicicletas, estas jogadas sobre o pavimento da calcada . Ali os garotos que corriam em suas bicicletas desceram e as soltaram, foi ai que algo surpreendente ocorreu: elas caíram. Prezado diário, ali naquela cena não vi bicicletas caírem, mas sim seres humanos. Se tivesses boca, creio que riria de mim, ignorante diário, mas creio que e nisso que as bicicletas se assemelham a nos humanos, caímos se algo não nos pesa às costas. Creio que seja o peso que nos forca as sermos fortes, obriga-nos a conseguir forcas para que não sejamos esmagados ou para que não caiamos como as bicicletas sem seus meninos. As dificuldades nos tornam novos, nos dão equilíbrio para que continuemos seguindo, uns mais lentos, outros mais rápidos ou por estarem mais pesados ou mais leves, mas sempre com algum peso. Vejo esse peso não como uma amarra que nos prende os pés, que nos evita a tomada do caminho, vejo-o como os garotos sobre as bicicletas, uma vez que sem eles as bicicletas ficariam inertes, paradas sob o sol, sob a chuva. Sempre ali paradas. E creio que bicicletas paradas sejam inúteis. E, na verdade, o são!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Nota sobre essa pequenez intrínseca

Pessoas felizes têm pensamentos felizes, assim como as ambiciosas têm pensamentos ambiciosos, logo pessoas pequenas têm pensamentos pequenos. O fato é que o mundo está cheio de pessoas pequenas, que assim são ou por não ter noção de sua pequenez ou a têm e ainda assim não se movem para crescer. Acho que nos acostumamos a estar estagnados, não pelo fato de os obstáculos serem grandes de mais, e sim por não sermos grandes o suficiente! Porque um dia um deus literário já disse: “Sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura!”

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Para aquelas páginas que precisam ser viradas

Amigo diário, hoje foi dia de faxina em casa, entediante como sempre, mas algo me chamou a atenção: uma gaveta. Deveras nunca dei tanta atenção àquela gaveta em especial ao ponto de surpreender-me com o conteúdo. Como em tantas outras gavetas por aí, viam-se dobrados papéis diversos, fotografias, bilhetes de uns muitos amigos (ou de pessoas nem tão amigas assim), alguns CDs que não os ouvia há tempos, boletins de anos passados, pequenos presentes que me remetiam a algumas pessoas, lenços de papel umedecidos por algumas lágrimas. Enfim, coisas que me fizeram lembrar outras tantas coisas, boas ou ruins, me fizeram retroceder vários capítulos vividos. Aliás, por que insistimos em agir como diários? Ficamos marcados pelas páginas passadas, principalmente aquelas nas quais as palavras foram grafadas com uma maior intensidade, ou por euforia, ou por dor, rancor ou tantos outros inenarráveis sentimentos, mas que por um motivo ou outro marcaram mais. Assim como você, querido diário, eu e todos os outros humanos e diários somos marcados pelas páginas que se passaram, mas, ao contrário de vocês, inanimados diários, nós humanos insistimos em reviver as páginas passadas, exaustivamente, ao ponto de nos prendermos a elas, nos fazendo escrever as de hoje quase que refletidas nas anteriores. Acho até que gostamos de reler todos os dramas passados, para nos sentirmos melhores ou piores, melhores por ver que os dias já estiveram mais negros e piores por nos deixar contaminar com os dramas antepassados aos presentes. Acho que isso caracteriza o ser humano, fadar-se ao antigo, ao passado, porque os erros de antigamente servem de argumento para a fraqueza que nos impede de nos lançar ao novo, ao desconhecido. Torna-nos covardes. Creio que isso se deve a essa insistente mania de má interpretação inerente ao ser humano, essa dificuldade que temos de ver o sentido real das coisas, porque, a meu ver, suas páginas, querido diário, servem como páginas de um livro que consultamos pra esclarecer dúvidas, evitar novos erros, e não evitar que tentemos novas experiências. É por isso diário que te vejo com um manual ao escrever em ti novas páginas, não como um espelho que me fará refletir as páginas passadas, mas sim um modelo a ser analisado ao criar as de hoje. Não é necessário arrancar-te as páginas anteriores, esquecê-las, mas sim vê-las como ensinamentos porque o que faz um leitor virar a página de um livro é a vontade de ler as que seguem as anteriores, de se surpreender, de sorrir novamente, de chorar novamente, mas sempre de ver uma nova história, porque se isso não fosse necessário, existiria apenas um livro com apenas uma página no mundo e isso bastaria aos humanos. Creio que não basta.

terça-feira, 19 de outubro de 2010





Meu, nem tanto assim, querido diário. O dia hoje não fugiu ao normal. Monótono e previsível. As mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas, nas mesmas situações, cometendo os mesmos erros; na da fora da configuração humana. Aliás, por que será que nós humanos somos tão previsíveis? Acho que não saberás a resposta, é claro, até porque suas páginas são quase que humanos: algumas totalmente em branco e outras uma vez escritas serão sempre as mesmas, constantes. Mas isso não importa tanto assim, importante mesmo foi o fato de a comida do refeitório estar maravilhosa. Veja querido diário como me faço redundante, como essa displicência me torna humano Torna-me mecânico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Aos meus preconceituosos cegos!


Amigo diário, perguntaram-me hoje se eu era preconceituoso. Disse que não é claro, na minha posição, é quase que absurdo mostrar-me dotado desse ponto de vista. Não quis fazer-me arcaico, mas naturalmente me aflige esta moléstia que não faz vista grossa a ninguém. Gostaria de saber de onde advém esse princípio humano, que significa conceito pré-estabelecido já é sabido, mas onde nasce essa mania de separar, rotular pessoas? Boas, más, brancas, negras, gays, heterossexuais, altas, polacas, “negrinhas” são tantas as etiquetas que nem me convém prosseguir enumerando-as. Parece que dispomos as pessoas em enormes corredores de prateleiras como em um supermercado qualquer, todas lá, paradas, rotuladas enquanto passamos a escolhê-las pela embalagem e as tomamos quando as julgamos convenientes às nossas vidinhas medíocres. O inconveniente é que também acabamos por ser rotulados. Acho que isso faz parte do nosso lado animal, com peixes em um aquário rejeitando seus diferentes. Justo nós, que não nos subjugamos tão facilmente a essa inaceitável condição animalesca. Peco ainda, displicente diário, por não dizer-me preconceituoso, visto que me visto de mais um preconceito: o de ser preconceituoso. Porque, de fato, somos preconceituosos até ao escolher ovos para um mexido: queremos os ovos mais vistosos, grandes e limpos, na confiança de não estarem podres. O fato é, querido diário, que há vários ovos podres por aí e que só os percebemos ao nos depararmos com as mãos imundas e fétidas. Penso que já será tarde de mais.

domingo, 17 de outubro de 2010

Participação especial: Claison Melo (http://claisonmelo.blogspot.com/)

O risco.

Minha irmã estava intrigada, esfregando as mãos uma à outra, falante, andante de um lado para o outro, toda maquilada, preparada para algo. Eu estava despojado, numa das minhas horas de gozo, a ler. Impacientei-me:

― Mas que quê é isso? Tu não paras!

― É que hoje eu vou sair.

Quantas vezes ela já não havia saído? Quantas vezes ela não viria a sair? Havia algo diferente.

― E por causa disso tu tá assim?

― Você não tá me entendendo!

Eu não estava mesmo. Como alguém ficaria tão incontrolada por apenas sair. A não ser…

― Você está namorando? ― perguntei contundente.

― Claro que não! Solteiríssima.

Suspirei aliviado. Tenho dores quando minhas irmãs namoram. Fico a pensar: e se o cafajeste maltratá-las? magoá-las? fazê-las sofrer muito? Daí tudo se apaga, é que é assim o caminho de quem se arrisca a relacionar-se.

― É que hoje eu irei conhecer alguém! Daí eu fico pensando: será que ele vai ser legal comigo? será que vai ser bom de papo? E será que é bonito? muito bonito? excessivamente belo, daqueles que parecem galãs de novela? Será que ele abre a porta para eu entrar ao carro? será que ele tem pensamentos não machistas? será que ele é capaz de refletir quem eu sou? tudo isso num só encontro? será que virá até a mim sem nenhuma daquelas cantadas medíocres? será que me perceberá despida para ele apenas com o meu olhar sobressaltado?

― Irmã! Acorda! Esse tipo de homem não existe!

― Talvez exista! Você conhece todos os homens do mundo?

Realmente não. Parei. Fiquei calado. Mas percebi ali que ela era muito iludida. Iludida até demais.

― Continue assim, acreditando demais nas pessoas.

― E se eu não acreditar nelas? Para que sou humana então?

O celular dela tocou, atendeu e ficou nervosa, dizendo à outra pessoa que já ia. Veio até mim, deu-me um beijo à testa e me pediu para desejar-lhe sorte, com aquele olhar de misericórdia, como se minhas palavras fossem mágicas e lhe garantissem fortuna. Fiz cara de desdém, como se aquilo muito me custasse:

― Agora eu sei porque você me disse aquilo. Você é assim, né? Medíocre, sem educação.

― Nada! Sou espontâneo. Como o cara que você encontrará hoje na festa.

E ela se foi, puxando o portão, enquanto eu dizia para o ar, do fundo de minha alma, que ela tivesse toda a sorte do mundo, que eu estivesse errado, e que ela encontrasse aquele que não fosse a maioria, o desnecessário, o malfeitor de sua vida.

(Melo, Claison. De Mamando a Caducando. 2010)

Olá― até então ―, desconhecido diário. Rabisco-te as primeiras linhas das primeiras páginas apesar de ainda não apresentar nenhum propósito. Pensei em grafar-te primeiramente meus traços pessoais, íntimos. Entretanto tornar-me-ia egocêntrico, porém pessoas e certamente diários não gostam de pessoas egocêntricas. Aliás, por que nos empenhamos tanto em agradar os demais? Acho que estamos fadados a comportarmo-nos como palhaços em um picadeiro, ávidos de aplausos, sem ao menos estratificar as palhaçadas plausíveis das descabidas ou até degradantes. Pensei também em confidenciar-lhe angustias e sofrimentos, me fazendo redundante quanto ao egocentrismo. Com tantas desgraças (não menos importantes e não mais fúteis) soltas e serelepes por esse mundo, o que me faria imaginar que você, diário, em sua inabalável frieza inanimada se voltaria com ao menos curiosidade aos meus devaneios sentimentais. Por último cogitei avacalhar a sórdida posição humana em seus mais corriqueiros aspectos. Todavia, o egocentrismo me atou as mãos, como apedrejar a humanidade sem me por a mostra. Como abrir as feridas humanas sem expor as minhas público , sem me fazer humano. Por isso, amicíssimo diário, posso apenas concluir que escrevo em círculos. Escrevo girando em torno de mim mesmo, do meu ego. E digo mais: em ti diário, me volto a apedrejar a humanidade de dentro pra fora, como se portador de uma lupa. A melhor lupa até aqui inventada: a autoconsciência de uma existência acidentada, porque, para atirar carvões em um varal cheio de roupas brancas, primeiramente tenho de me sujar as mãos.