domingo, 17 de outubro de 2010

Participação especial: Claison Melo (http://claisonmelo.blogspot.com/)

O risco.

Minha irmã estava intrigada, esfregando as mãos uma à outra, falante, andante de um lado para o outro, toda maquilada, preparada para algo. Eu estava despojado, numa das minhas horas de gozo, a ler. Impacientei-me:

― Mas que quê é isso? Tu não paras!

― É que hoje eu vou sair.

Quantas vezes ela já não havia saído? Quantas vezes ela não viria a sair? Havia algo diferente.

― E por causa disso tu tá assim?

― Você não tá me entendendo!

Eu não estava mesmo. Como alguém ficaria tão incontrolada por apenas sair. A não ser…

― Você está namorando? ― perguntei contundente.

― Claro que não! Solteiríssima.

Suspirei aliviado. Tenho dores quando minhas irmãs namoram. Fico a pensar: e se o cafajeste maltratá-las? magoá-las? fazê-las sofrer muito? Daí tudo se apaga, é que é assim o caminho de quem se arrisca a relacionar-se.

― É que hoje eu irei conhecer alguém! Daí eu fico pensando: será que ele vai ser legal comigo? será que vai ser bom de papo? E será que é bonito? muito bonito? excessivamente belo, daqueles que parecem galãs de novela? Será que ele abre a porta para eu entrar ao carro? será que ele tem pensamentos não machistas? será que ele é capaz de refletir quem eu sou? tudo isso num só encontro? será que virá até a mim sem nenhuma daquelas cantadas medíocres? será que me perceberá despida para ele apenas com o meu olhar sobressaltado?

― Irmã! Acorda! Esse tipo de homem não existe!

― Talvez exista! Você conhece todos os homens do mundo?

Realmente não. Parei. Fiquei calado. Mas percebi ali que ela era muito iludida. Iludida até demais.

― Continue assim, acreditando demais nas pessoas.

― E se eu não acreditar nelas? Para que sou humana então?

O celular dela tocou, atendeu e ficou nervosa, dizendo à outra pessoa que já ia. Veio até mim, deu-me um beijo à testa e me pediu para desejar-lhe sorte, com aquele olhar de misericórdia, como se minhas palavras fossem mágicas e lhe garantissem fortuna. Fiz cara de desdém, como se aquilo muito me custasse:

― Agora eu sei porque você me disse aquilo. Você é assim, né? Medíocre, sem educação.

― Nada! Sou espontâneo. Como o cara que você encontrará hoje na festa.

E ela se foi, puxando o portão, enquanto eu dizia para o ar, do fundo de minha alma, que ela tivesse toda a sorte do mundo, que eu estivesse errado, e que ela encontrasse aquele que não fosse a maioria, o desnecessário, o malfeitor de sua vida.

(Melo, Claison. De Mamando a Caducando. 2010)

3 comentários:

  1. Ontem ouvi a palestra do Proferssor josé Luiz pela segunda vez e somente então percebi ele dizer sobre os otimistas e os pessimistas, pessimistas esses q as vezes estão fantasiados de realistas e deixam de tentar pensar que ainda possa existir algo melhor somente pelo fato de um dia terem sido descepcionados...Cuidado hein, as vezes a gente passa algumas coisas, mas nem sempre devem ser generalizadas...

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  2. Muito bom...
    concordo com o eu-lírico!
    a moça é bastaaaante iludida., mas é essa ilusão que deixa as coisas um pouco mais longes da dura realidade em que vivemos :)

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